08 outubro 2007

09/10
------------------
Ser.Ter.APARECER.Ser.Ter.
LAURA FUTURO


Guy Debord acredita que a última instância na sociedade capitalista é resumir a sua aparência, o seu real e também a sua mercadoria no que ele chama de Sociedade de Espetáculo. O ter do homem capitalista deve ser propagandiado, de modo que essa imagem seja invejada e desejada, até que a imagem desse ter se torne a mercadoria final em si . O ápice de se comprovar como um homem capitalista é o tornar-se aquilo que nos aparece, que nos é vendido, dentro da forma consumista que o capitalismo e a mercadoria abundante se resumiu.

O espetáculo é o capital em tal grau de acumulação que se torna imagem . Assim como a sociedade do espetáculo o aparecimento da televisão tem como princípio o capitalismo. A televisão tal qual conhecemos hoje, como principal meio de comunicação de massa só poderia acontecer dentro dos princípios capitalistas. A televisão, seja sua produção ou resultado transmitido, nada mais é do que um produto criado e consumido como real, apesar de ilusório.

Juntando essas duas premissas falar sobre sociedade do espetáculo como aponta Debord, dentro da rotina situacionista, é praticamente falar sobre a televisão e o efeito que ela tem em cada pessoa e por conseqüência na sociedade em geral.

No livro O Vidiota de Jerzy Kosinski, Chance é o personagem principal. Um homem que se socializou através da sociedade do espetáculo. Que teve toda a sua vivencia e experiência criada junto ao zapping da televisão. Sem qualquer contado com a grupos sociais. Não conhecia nada além daquilo que acontecia na sua casa, no seu jardim e antes de tudo isso não reconhecia nada daquilo que não tivesse aprendido pelas imagens geradas por um tubo de luz e uma antena.

Ele enxerga a realidade como mais uma imagem da TV, e tem dificuldade de separá-las. O tradutor deu um nome criativo mas já indutor ao misturar as duas palavras (vídeo e idiota), isso se deve a ausência de pudor, malícia, interesse da personagem com o mundo real. Chance é um simulacro do que aprendeu na televisão, que por sua vez já é um simulacro do mundo real. Ou não? Já serão as imagens da televisão o real. Ou razão final do consumo?

Quando o mundo real se transforma em simples imagens, as simples imagens tornam-se seres reais e motivações eficientes de um comportamento hipnótico

Eis porque o comportamento idiotizado de Chance. O jardineiro que podia vestir-se elegantemente com as roupas do patrão e acaba sendo desalojado de casa com a morte do padrão nada mais é do que a de um ser humano já hipnotizado pelo o espetáculo que o circunda. O espetáculo é a ilusão material da ilusão religiosa . Se a religião por si só já é um ilusão capaz de levar multidões a agir, ou a não agir, imagine o poder da ilusão materializada da religião. Se assim for, estamos sujeitos de tal forma a força ao domínio das imagens e do espetáculo que não nos resta muito de livre arbítrio.

No livro de Kosinski podemos pinçar dois exageros ou criticas ao espetáculo e à força que exerce dentro do mundo capitalista. Digo dois pois Chance é posicionado primeiro como espectador, portanto como um proletário operário, que está ali a receber as informações/ mercadorias fornecidas pela a televisão e depois posicionado como mercadoria aparecida, revendida, como alguém que, sem conhecimento da importância das coisas reais, passa a ser aceito na sociedade, através da mídia e passa a ser levado como real e como objeto de desejo, embora esse sequer tenha noção do real que está representando.

É um pouco uma bola de neve, para usar uma expressão bem popular. Chance aprende tudo que sabe da televisão e depois vai aparecer na televisão e falar sobre aquele tudo (que nada mais é além do aprendizado do surfing channels e algum conhecimento de jardinagem adquirido na pratica sozinho) e será recebido pela a população em geral como verdadeiro.

Até que ponto o sucesso se dá ao acaso? Isso ainda está em estudo, mas que o acaso ajudou Chance a obter sucesso ajudou. Ele é justamente atropelado pela a esposa de um importante empresário que está no leito de morte. Por intermédio do casal ele passa a freqüentar a alta sociedade econômica e política do Estados Unidos. Como suas respostas são sempre com temáticas jardineiras, a alta sociedade leva isso como metáforas bem aplicadas no expressar a opinião. Afinal: se você parece bom, você é bom porque aparece. Na história basicamente é isso: se Chance está do lado do presidente falando isso alguma razão deve ter.

O espetáculo nesse ponto é inquestionável. Não há margem de dúvida para pensar que Chance seja um impostor, apesar de nenhum órgão oficial ter dados a respeito dele, ele é respeitado pela a comunidade intelectual, não só respeitado como, no fim, ele é escolhido para representá-los, como uma figura capaz de agregar várias pessoas pela comunicação de massa. A sua alienação é ignorada e tornarda um charme. Os homens produtores do espetáculo enxergam isso e sabem como usufruir, mas ao mesmo tempo não se questionam sobre Chance, afinal eles também estão a mercê do espetáculo que passou a ser o jardineiro.

O sucesso de Chance, um simples jardineiro idiotizado pela a televisão é uma prova concreta de que o mundo suposto no romance vive completamente dominado pelo o espetáculo. O conjunto de conhecimentos que continua a se desenvolver atualmente como pensamento do espetáculo deve justificar uma sociedade sem justificativas e constituir-se em ciência geral da falsa consciência . O sucesso de Chance justifica e comprova a sociedade do espetáculo que ali se vive.

Numa linguagem romanceada e numa linguagem acadêmica, mas nem tanto formal, tanto Kosinski quanto Debord criticam da mesma forma a sociedade capitalista que vivemos que está dominada pelo o seu próprio produto que é o espetáculo. Dois importantes tratados com o olhar crítico do mundo imaginético que estamos vivendo e, apesar da rápida evolução dos meios de comunicação e das mídias do espetáculos ambos são atuais e leituras necessárias dentro da visão crítica da sociedade e dos produtos espetaculares produzidos pela a televisão.


DEBORD, Guy- Sociedade do Espetáculo. P.25
DEBORD, Guy- Sociedade do Espetáculo. P.18
DEBORD, Guy- Sociedade do Espetáculo. P.19
DEBORD, Guy- Sociedade do Espetáculo. P.127

Nenhum comentário: